No segundo semestre de 2022 eu vivi uma das experiências mais enriquecedoras da minha vida. Fui selecionado como bolsista na Residência Artística LAB Cultural, promovida pelo BDMG Cultural. O LAB CULTURAL é um programa de valorização e incentivo à pesquisa e desenvolvimento de processos artísticos e culturais em Minas Gerais. Entendendo que os processos são construções também coletivas, o programa valoriza a troca entre artistas, linguagens e com profissionais diversos do campo cultural, incentivando a construção de uma rede de profissionais ligados a arte e cultura dentro do Estado de Minas Gerais.

Logo do programa LAB Cultural

Acompanho com muita admiração a residência desde sua 1º edição, no ano de 2020. Pra mim foi mágico e um grande incentivo ter sido selecionado. Esse ano quem esteve a frente das provocações foram a Luciara Ribeiro, Rui Moreira, Marco Scarassati e Fernanda Júlia Onisajé. Que privilégio poder trocar com essas pessoas mais que especiais e especialistas das artes. Foi e segue sendo riquissimo esse momento de aprofundamento nas linguagens artísticas, a maturação da poética, a vivência do processo criativo e essa profissionalização mesmo enquanto artista.

Além é claro da troca e da afinidade que se criou entre todes participantes. Como é engrandecedor estar com pessoas gigantes as quais se admira. Passei a conhecer e a apreciar cada pessoa com sua respectiva poética e trabalhos, que estiveram presentes na LAB e suas trajetórias até aqui. Fiz amizades que levarei para a vida toda.

Eu entrei com a intenção de  pesquisar mais sobre como trabalhar a visualidade e um pouco da corporeidade nas diversas linguagens musicais a princípio e como principalmente, fazer música a partir dessas outras perspectivas. Sentia que até o momento anterior a LAB meu trabalho se prendia muito no instrumento que toco, no repertório que cabe nele e minha criação por consequência também. No meu trabalho Serenatero, busquei trabalhar questões relacionadas à memória, visto que é através da prática da memória que nos socializamos, marcamos nossas identidades e, portanto, nossas diferenças. Nossas memórias nos ligam ao grupo social que pertencemos, guia nossas ações e nos faz imaginar um futuro, marcando a circularidade do tempo. A memória enquanto prática, é continuamente trabalhada e no contexto brasileiro ela é uma prática subversiva, visto que as forças dominantes se esforçam em obscurecer, invisibilizar e apagar determinadas narrativas. Além disso, as memórias possuem um caráter afetivo e me interessa muito trabalhar o afeto como ferramenta e metodologia, assim como propôs Nise da Silveira.

Como consequência da pandemia, morei quase 2021 completo na roça. Isso foi muito interessante, pois eu sou da 1° geração da minha família que não nasceu no ambiente rural. Moro em uma rua onde a cidade acaba, portanto, a 50m da minha casa já é pasto. Estive sempre nesse entre e hoje percebo o quão frágil é pensar o brasil rural ou urbano, quando um espaço é continuidade do outro. Trazendo essa ruralidade, não busco estereotipar ou trazer um olhar bucólico apenas para um passado parnasiano, mas refletir que essa realidade existe, acontece no contemporâneo e tem suas dinâmicas próprias. É um trabalho de conexão.

Inicialmente a proposta foi a de que fizessemo um Oriki para nos apresentarmos e o meu pode ser conferido aqui. Meu trabalho tem se territorializado cada vez mais nos últimos anos. Nessa pesquisa da trajetória familiar, do território em si e dos sons, comecei a me interessar mais pelas questões relativas a paisagem sonora. Nesse intuito iniciei o processo intitulado “Do lado de cá todo mundo é alpinista”, que pode ser acessado aqui. Uma de suas materialidades foi um mapa sonoro de todos os 23 pontos de ônibus da linha R204 Jd Azaléias, que levam do centro da cidade até minha casa, na zona leste de Poços de Caldas. Pra acessar o mapa basta clicar na imagem:

Nesse período as aulas presenciais voltaram e eu fui obrigado a voltar pra Pelotas, cidade no sul do Rio Grande do Sul, onde curso meu Bacharelado em violão. Ali fiquei meio sem chão, literalmente. Minha pesquisa estava toda apoiada num lugar geográfico que estava agora a mais de 2000 km de distância. Senti como que um tempo de maturação nesse processo. No meio disso iniciamos o Diásporas de mim, que consisitiu em uma troca de objetos entre nós participantes como que em um amigo secreto. Eu sai com a Juliana Porfirio. Pensando no que mandar, lembrei de uma história que ela contou que seu filho não entendia como ela não ouvia certos tipos de sons na casa deles. Seguindo nesse interesse pela paisagem sonora, desenvolvi um caderninho de exercicios de ativação da paisagem sonora que chamei de Pílulas Sonoras.

Muito atenta, Juliana adicionou a 22º pílula e encaminhou o objeto até Barbara Elizei, agora com um botão / luz adicionado a capa. Essa ação foi proposta ao grupo todo através da ferramenta do Google agenda, após a nossa revelação e reverberação do processo. Junto a agenda, foi adicionada uma nota compartilhada para que assim como Juliana, quem participasse da ação e quisesse criar novas pilulas, se sentisse a vontade. Para que qualquer pessoa interessada possa participar da experiência, criei essa agenda que se renova a cada dia 2 do mês. Basta clicar no link e as tarefas serão adicionadas a sua agenda do Google. Depois que participar uma vez, basta excluí-la na aba ‘Minhas Agendas’ do canto esquerdo da tela. La em cima, nos complementos da agenda, há uma bloco de notas compartilhado, para que se você assim como Juliana, tiver a ideia de uma nova pílula, se sentir livre pra adicionar.

Link de acesso: https://calendar.google.com/calendar/u/1?cid=cHJvZnBlZHJvZXJsZXJAZ21haWwuY29t.

Chegando pro ultimo mês, comecei a entender e a digerir que essa mudança de espaço geográfico não tirava o meu lugar de mim. Pude então confluir em uma proposta materialidades que vieram me atravessando durante a residência, como a cartografia, a intervenção urbana, o bordado, os meios de transporte e a paisagem sonora. Desde o principio da residência e muito antes disso, venho refletindo sobre a estética da beirada. A borda, o vão, o entre, o não lugar (que não é o lugar do não, mas sim lugar, inteiro, metade de nada). Repensar as centralidades que estão além do espaço geográfico foi uma das coisas que essa LAB mais mexeu comigo. Assim propus uma série de lambe lambes com essas temáticas, a serem coladas nos pontos de ônibus das 4 linhas que levam do centro até minha casa: Jd Azaleias, Jd São Paulo, Dom Bosco e Nova Aurora.

Um mapa é uma maneira de comunicação majoritariamente gráfica e revela uma porção geográfica específica do território, ou seja, um recorte. Assim entendemos, que o recorte do mapa abarca visões de mundo a serem comunicadas. Borda é um substantivo feminino relativo à beirada, área que circunscreve ou limita algo e dentro da qual contém alguma coisa, segundo o dicionário. E é de acordo com as beiradas, que temos a formação da cidade em seus mais diversos aspectos. É urgente repensar narrativas, memória e território nessa cidade extremamente conservadora que se esforça de todas as maneiras pra se manter em 1910, esteticamente inclusive. A gente sabe pra quem que é bom isso né.

Essa ação ainda vai acontecer e quando rolar eu volto aqui no site pra contar 😉

Além dessas materialidades individuais, as trocas com o coletivo, o aprendizado, as parcerias, a amizade e o apreço que aconteceu nesse período não da pra ser escrito, desenhado, nada. Foi surreal e até agora eu reverbero tudo isso. Houveram algumas parcerias musicais também que estão por vir! Em novembro de 2022 tivemos o encontro de encerramento presencial da LAB em Belo Horizonte. Eu adoro BH e ter ido pra lá por esse motivo fez desses 3 dias mágico. A presença é uma tecnologia insubistituível.

O mais importante desse programa pra mim foi o fato de ser enxergado como uma potência. Foram mais de 500 propostas enviadas de todo o estado e estar presente nessa edição foi uma confirmação de que estou no caminho certo, alinhado com boas ideias e pessoas. Ser enxergado como potência me da a força para ser e realizar. Muitas vezes o trabalho artistico é muito solitário e desacreditado até por nós mesmos. Ter pessoas atentas ao processo, a esse fazer mesmo, sem o qual eu não sei viver, o qual eu acordo todos os dias e dedico horas e horas, de pesquisa, de erros e acertos, é o mais engradecedor. Vida longa a LAB e todas as pessoas envolvidas nesse acontecimento <3